terça-feira, dezembro 20, 2005

A HISTÓRIA DO BOJADOR

Então vamos à história do Bojador avisando logo de entrada que o comprometimento aqui é totalmente sentimental, nada histórico e tampouco literário. Ganhei de muitos o apelido de Bojador por costumeiramente usar os versos de Fernando Pessoa: “Quem quer passar além do Bojador tem que passar além da dor” no nick do msn. Já havia lido o texto (que segue abaixo) nas minhas primeiras incursões pela literatura, em época de pré-vestibular. Mas as palavras para mim não tinham o significado de hoje.
Alguns anos atrás, conheci um amante de Fernando Pessoa, o João, que me contou a história de vários textos do poeta português, principalmente os que representavam as agruras dos descobrimentos, no livro Mensagem. De todos, fiquei com o Bojador na cabeça, que faz parte do Mar Portuguez (sic, claro, é Português de Portugal). E olhe que a frase mais conhecida de Pessoa nem é essa, penso que seja “Tudo vale a pena se a alma não é pequena” (do mesmo texto). Vejam só:
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena?
Tudo vale a pena se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
Pois sim! No tempo em que os portugueses só pensavam em descobrimentos e em conhecer as Índias e estavam em plena expansão marítima, havia um grande temor com relação ao Cabo Bojador, que fica lá pelas bandas da costa africana. O Cabo tinha a terrível fama de ser de difícil navegação, com muitos ventos, tempestades e riscos para quem se atrevia a ir além dele. Era uma viagem sem volta. Para reforçar a fuleragem e a frouxidão dos portugueses, ainda havia as lendas: quem passa dali mergulha num abismo profundo (porque eles pensavam que a terra era horizontal e quando passava do Cabo, bum!, todo mundo se ferrava), os monstros marinhos atacam, ouvem-se gritos de marinheiros, cânticos desesperados e toda sorte de mentira. Então, todo mundo ia até o Bojador, mas pouca gente tinha coragem de ultrapassá-lo. Quem quisesse fazê-lo, como diz Pessoa, teria que passar além da dor. A dor do medo, a dor da saudade, a dor do novo, a dor de novo.
Depois de muitos desavisados tentarem o desafio sem êxito e sem volta (porque não traçavam a rota como deveriam e nem tinham a técnica correta), o navegador Gil Eanes, antes de 1500 (esqueçam a data, fiquemos na audácia), foi o primeiro a passar além do Bojador. E ele viveu para escrever que dobrar o Cabo não era nada demais; precisava, claro, de conhecimento e coragem. O problema era só o medo. E o medo é psicológico. As dificuldades da navegação podiam ser superadas e Eanes, pragmático que só, não ouviu grito nenhum e não houve nenhum monstro pra registrar o feito. Então, explicada a história: cada um tem seu Bojador ou seus Bojadores. E, normalmente, o caminho pode ser árduo, mas as condições de navegação não são tão ruins como a gente imagina. Basta ter coragem pra dobrar o Cabo, ser uma pessoa muito BRAVA (pra não perder o merchandising). E saber que se a alma não for pequena, tá tudo dominado. Qual o Bojador de vocês???

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