APRENDA A TER ATITUDE

No primeiro dia do evento de moda, estávamos lá: eu e Ivany e mais quatro estagiárias, todas prontas para apurar, escrever e enviar notícias. Chegamos bem antes do evento começar, para planejar algumas coisas, dividir as funções e – CLARO – definir o modelito que cada uma iria envergar. Como o assunto era moda, Ivany foi logo determinando (para quem conhece, Ivany jamais sugere, ORDENA, MANDA, IMPÕE, BOTA MORAL): “todas fashion, por favor! Cuidem dos sapatos, caprichem na maquiagem e dos cabelos também”. Estava eu de sandálias (aquela que me fez beijar o chão no metrô de SP, mas, agora sob controle do centro de gravidade), saia e blusa. Tudo bem normalzinho e aguadinho, segundo Ivany.

O planejado era ir direto para o evento e, depois, deixar as coisas no hotel, proceder à assepsia corporal e voltar. Mas, como o planejado nunca acontece, o trabalho foi começando e a gente foi ficando, foi ficando e, chegaram as “recepcionistas”. Eu me senti um lixo com minhas sandálias obedientes: eram todas lindas, maquiadas, cabelos escovados, tratados, esvoaçantes; saltos enormes ressaltando as magras panturilhas. Na minha visão, tudo linda. Na visão crítica de Ivany, veja só: “elas não são tão bonitas, é mais produção e ATITUDE”. Veja lá: manchas nas pernas, celulite, espinhas, bucho de lama, vasinhos nas pernas, postura errada. Mas o pior era o bafo... Uma delas ainda cometeu o absurdo (segundo Ivany) de misturar ouro e prata. Quem já viu misturar ouro e prata? Outra Ivany apelidou de árvore de natal, pois usava colar azul, com pulseiras de metal dourado no braço esquerdo inteiro, pulseiras de madeira no braço direito esquerdo (ninguém via os braços da moça), argolas com strass, olho pintado de preto, parecendo um urso panda.

Fiquei pensando na ATITUDE. E pensando como poderia fazer esse fake de ATITUDE. Comentei com Nanda, outra que também tem déficit mental, e ela me ensinou um truque especial. Para ficar com aquela boca de Fernanda Lima, basta colocar o dedo indicador entre o lábio superior e o inferior e retirá-lo, deixando a boca naquela posição em que os dentes aparecem sutilmente e os lábios ficam durinhos, expressando, talvez, um ar mais sexy. E eu perguntei: e pra falar? “Ah, pra falar você desfaz e depois faz de novo”. Ah, e tem outra dica: o olhar tem que ser sempre para o horizonte, olhar como se você estivesse mirando para o sol, deixando com um ar sensual.

Pensei, puta merda, é muito complicado ser sexy e sensual. Mas vamos lá. Fui ao banheiro e fiquei ensaiando caras e bocas: beiço duro, olho apertado, quase cego. Isso é ATITUDE? Pois bem, olhei para o espelho e vi que inda faltava algo. Fui ao carro, onde estavam meus pertences, tirei a sandália paulistana e calcei quase dez centímetros de atitude! Mal conseguia andar, mas estava no topo, maior do que as beldades. Voltei ao evento e lá vinha Ivany no final do corredor. Já veio rindo e eu perguntei: o que foi? E ela respondeu com outra pergunta: “que porra é isso?” Eu disse: Atitude, mulher, tu num disse que era preu ter atitude? E ela: “Eu falei ATITUDE, não ALTITUDE, tuas canelas vão se partir. Kkkkkkkkkkkkkkkk”

Sacanagem de Ivany. Bem, o povo até que elogiou. Complicado era correr de stand em stand com aquele salto agulha. Vi que quem trabalha na agonia não pode usar salto, inda mais tendo que ser sexy e sensual. É muita coisa pra coordenar. Quando já estávamos decididas a ir ao Hotel e retornar mais tarde, aconteceu o que sempre ocorre nas minhas histórias: a queda! Evento lotado, o galego olhando pra mim e tirando onda. Caminhei em direção à saída enquanto falava com o galego e: a perna esquerda virou, mas a direita segurou o corpo. Bambeei para um lado, agachei para o outro, botei força na perna direita, abri os braços e consegui o equilíbrio.
Fiquei morta de vergonha e fomos “correndo” em direção à saída, para que ninguém mais risse. Ivany me acalentou, fazendo uma definição do ato: “não foi queda, queda é só quando a gente mete a bunda no chão, você só tropeçou em si mesma, foi tipo um passo de frevo, uma tesoura dupla. É a Aninha do Passo”. E eu perguntando: por que Ivany existe? Nunca mais quero saber de ATITUDE. E nem de ALTITUDE