terça-feira, dezembro 27, 2005

A subida da Brigadeiro

Estávamos num bairro chamado Itaim Bibi. E, para compensar o excesso gastronômico vivido nos dois dias anteriores e convencer a balança - e nossa consciência, principalmente - de que nada daquilo (rotolone, canelone, pizza, ravióli, penne, etc.), tinha ocorrido, resolvemos ir “de a pé” para a Avenida Paulista. O objetivo era chegar ao Itaú Cultural e falar com a tchôba de lá, nossa amiga Ana de Fátima.

Em uma esquina, um paulista nos disse: “é peRtchinho, cês sobe essa rua aqui e já vão tomar o JaRdhim América. Lá, cês vão veR um montche dhe rua com nome dhe países da América. Vão em frentche, peguem a Brigadeiro. Daí, é só subir e já estarão na Avenida Paulista. Deve dar uns cinco quilômetro”. Agradecemos e tomamos o rumo da venta. Passou a rua Estados Unidos, a rua Venezuela, a Rua Veneza (como assim, Veneza na América????). Estávamos andando. A caminhada não seria assim tão difícil. Cinco quilômetros são cinco voltas na Jaqueira. Isso a gente tira de letra. E como o clima estava frio, nem suar a gente iria.

Numa das ruas, Ivany comenta: “acho que minha sandália está se torando”. E eu: Como assim se torando?. E essa não é aquela sandália carérrima, cheia de riquefifes? Tá vendo, sou mais a minha basiquinha, de Caruaru. Mais dez minutos de caminhada, e toft!!! A sandália dela torou de verdade, de ponta a ponta. Eu disse: tás vendo tu, sandália tão cara.... Melhor a minha mesmo... Tem nada não, quando chegar a gente vai a Toritama e compra outra igualzinha. Vamos pegar um táxi? E ela: “não, agora que estou sentido o consumo das calorias, vamos em frente, dá pra chegar lá”. E continuamos a andança.

Num dado momento, Ivany comentou que a caminhada tava parecendo uma maratona. De maratona, nos lembramos da corrida de São Silvestre. Da São Silvestre, nos lembramos da Subida da Brigadeiro. E a gente se perguntou: será que essa tal Brigadeiro que a gente vai é a mesma da São Silvestre? Para quem não conhece São Paulo, a dúvida procede: existem duas brigadeiros conhecidíssimas: a Brigadeiro Faria Lima (a do nosso percurso) e a Brigadeiro Luís Antônio, que já passei por ela, mas não sei onde é...

Eu, Polyanna Moça, disse: Não, Ivany, deve ser a outra. Se não o paulista dizia que era melhor ir de táxi, relaxa, oxi. Mais meia hora de andança, eu suava que nem chaleira e, quando vi, eu tava falando sozinha. Ôxi, cadê Ivany? Olhei pra trás e ela tinha ficado. Estava lívida, parada, estatelada, com os olhos esbugalhados, muda, dura. Quando cheguei perto, ela olhou firmemente pra mim e disse: “Aninha, olha lá pra cima!” Olhei pro céu e não vi nada senão névoa. Ela disse: “não, imbecil, olha para frente e para o alto”. Eu olhei e fiquei que nem ela: mandrake!!!! PQP, era a subida da Brigadeiro. Íngreme que só a Ladeira da Misericórdia, que a gente só subia embalado por combustível etílico e, dado o excesso de pernas, às vezes nem precisava pisar no chão. Era a subida do Padim Ciço, a ladeira do Granjeiro, a Chapada do Araripe, o Morro do Bom Jesus. Era tudo isso junto!

Eu disse: quem estilar paga o jantar. E ela: “oxi, num perco pra ninguém. Vamos simbora!” Engatamos a primeira, desligamos o ar condicionado e o rádio e fomos. Ainda no pé da ladeira, senti um “toft!” no meu pé esquerdo. Era minha sandália! Minha nossa, papai do céu tinha me castigado por zonar com ela. E eu no dilema: dizia ou não? Digo nem a pau, também não perco pra ninguém. Mas não dava pra disfarçar e ela perguntou por que eu estava arrastando o pé. E eu: né nada não... E Ivany, ligada toda, fez: “Aninha, deixa eu ver teu pé..”. Aí, abri o jogo: Ivany, minha sandália quebrou também. E tive que escutar que era castigo, que é bom pra aprender a não falar dos outros, que não vai ser preciso ir em Toritama, mas a um bom sapateiro, e por aí vai. Uma certa hora, paramos num sinal pra atravessar a rua. O homenzinho do farol tava vermelho e a gente encostou no poste. Eu de um lado e ela do outro, relaxando. O homenzinho ficou verde, ficou vermelho, ficou verde, ficou vermelho de novo e a gente encostada, sem dar uma palavra.

Vimos muitas coisas na subida. Uma oficina em construção onde um peão disse: “gostosa!”. Puta merda, tamo gorda mesmo. Vamos caminhar, vamos caminhar. Passamos por algumas padarias, muito convidativas por sinal, mas éramos fortes; passamos em frente a um estacionamento, onde a hora custava R$ 10,00 (e a gente reclama do estacionamento do Centro de Convenções); passamos por um brechó com cara de cemitério, onde lá no fundo, um velhinho fumava um charuto; passamos por um ponto de táxi e um taxista perguntou: “quer táxi, moça?”. Olhei pra Ivany e ela: “vai pagar o jantar”. E eu: não moço, brigada. E, já no topo da Brigadeiro, passamos por uma loja de sapatos. Sapatos, uma loja de sapatos! Ivany, bora comprar outra sandália, não posso chegar assim no Itaú. Ela concordou.

Saímos com novos pares nos pés. Um modelo bonito, da moda, com cortiça no salto e brilhinhos nas tiras. Tinha um problema: era muito alta e eu (lady às avessas), virava o pé o tempo todo. Mas não caía. Chegamos finalmente ao Itaú Cultural, era claro ainda, imaginávamos que deviam ser quinze pras seis. Entrei, perguntei por Ana de Fátima e a atendente disse: “ela já foi, senhora. Saiu agorinha às setche e meia. Posso ajuda-la em algo mais?”. Como assim sete e meia? Que horas são? E ela: “dez pras oito, senhora”. Coisas de São Paulo, onde noite é dia, onde não é possível se guiar pelo sol, pois ele não aparece por lá. E inda tinha o horário de verão.
Propus a Ivany: vamos a pé para o Hotel?

1 comentário:

Anónimo disse...

Só sendo duas patzas mesmo.
Subir a Brigadeiro a pé?
Tche louco!